TEORIA DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA: Breves considerações acerca da aplicação do instituto, em paralelo com o princípio da instrumentalidade das formas, nas intimações processuais

É certo afirmar que o Direito é, em grande parte, forma. De toda sorte, é certeiro afirmar que o ordenamento jurídico pátrio, sobremaneira sob a sistemática do Código de Processo Civil de 2015, apresentou um viés manifestamente prático, quanto verbalmente prioriza o conteúdo. Este entendimento pode ser enxergado pela norma jurídica do art. 188, do mencionado código:

“Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.”

Com efeito, portanto, é pertinente que se enxergue a finalidade do ato processual praticado, sem, contudo, desprezar a existência – ou não – de uma forma prescrita em lei. Superado imediatamente este ponto, é de se destacar que a “intimação”, enquanto ato processual expressamente previsto do ordenamento jurídico, sendo inegável a sua pertinência.

O art. 269, do CPC/2015, baliza que a intimação é “o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo”. Da intimação fluem, dentre outras implicações, os prazos recursais. Dada a natureza preclusiva destes prazos é que se extrai a pertinência da presente análise, assentada, sobremaneira, sobre a teoria da ciência inequívoca.

De forma a entregar a definição mais prática disponível, destaca que o e. Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade balizar o que, de fato, estaria presente no ordenamento jurídico pátrio como uma teoria da ciência inequívoca. No julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial n. 2130733/SP, a Min. Nancy Andrighi consignou, em seu voto, que:

“Segundo a teoria da ciência inequívoca, em observância do princípio da instrumentalidade das formas, considera-se comunicado o ato processual, independentemente da sua publicação, quando a parte ou seu representante tenha, por outro meio, tomado conhecimento do processado no feito.”

A definição acima exposta pode ser complementada pelo entendimento exarado pelo mesmo STJ, na oportunidade do julgamento do Recurso Especial n. 1449889/SP, de relatoria do Min. João Otávio de Noronha, que, na fundamentação de seu voto, destacou que:

“A teoria da ciência inequívoca foi construída pela jurisprudência com base no princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual se reputam válidos os atos que atingem sua finalidade essencial, ainda que realizados de forma diversa da prevista em lei. Dessa forma, sendo possível aferir, com segurança, que o conhecimento da demanda se deu por outra forma que não aquela especificamente disciplinada na lei processual, considera-se atingida a finalidade o ato processual.”

Efetivamente, portanto, a teoria da ciência inequívoca, como um consectário do princípio da instrumentalidade das formas, estabelece que, se atingida a finalidade do ato, ainda que de forma diversa da forma prescrita em lei, válido deverá ser reputado o ato. Assim como destacado na fase preliminar da presente análise, é priorizado o conteúdo (finalidade) ao invés da forma friamente prevista.

No que concerne especialmente às intimações, reitera que a sua finalidade é direta e verbalmente prevista na norma jurídica do art. 269, do CPC/2015, citada acima. Sua forma, ou seja, a maneira com que há se ser realizada, está prevista no art. 272, do mesmo diploma. Em regra, atualmente, pode se afirmar que as intimações são realizadas por intermédio dos diários eletrônicos dos Tribunais ou, ainda, diretamente pelo sistema do processo eletrônico, sendo estas as formas mais comuns de publicação dos atos de intimação.

Sem prejuízo, o próprio art. 272, em seu § 6.º, traz uma clara exceção à sobredita regra, de publicação das intimações pelos diários eletrônicos: a já obsoleta “carga dos autos”. Pertinente transcrição do dispositivo legal:

“§ 6.º A retirada dos autos do cartório ou da secretaria em carga pelo advogado, por pessoa credenciada a pedido do advogado ou da sociedade de advogados, pela Advocacia Pública, pela Defensoria Pública ou pelo Ministério Público implicará intimação de qualquer decisão contida no processo retirado, ainda que pendente de publicação.”

Sob a sistemática do processo eletrônico, a “carga dos autos” pode ser enxergada como o “comparecimento espontâneo” da parte ao processo. É neste sentido a lição doutrinária de José Miguel Garcia Medina ao comentar a norma jurídica. In verbis:

“O comparecimento espontâneo aos autos ou a retirada dos autos do Cartório pelo advogado da parte constitui ato inequívoco de conhecimento do ato do qual deve ele ser intimado, ainda que pendente a publicação do ato em órgão oficial.”

É assim que a teoria da ciência inequívoca se manifesta, enquanto um corolário do princípio da instrumentalidade das formas, no caso do “comparecimento espontâneo aos autos”: a partir do momento em que a parte se manifesta nos autos, em regra, toma conhecimento dos atos processuais praticados até então. Assim, considerando que a intimação é “o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo”, é evidente o alcance de sua finalidade, independentemente de publicação.

Assim como adiantado acima, a ciência inequívoca aplica-se de forma tão robusta que extrapola um elemento capaz de supri a intimação da parte por intermédio de formalização de publicação. O entendimento jurisprudencial inclina-se no sentido de que a ciência inequívoca de determinada decisão ou pronunciamento judicial representa o termo inicial para a interposição de recurso.

Destaca, neste sentido, recente julgado proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

“DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO JUDICIAL MONOCRÁTICA QUE NÃO CONHECEU O RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. INTELIGÊNCIA DO § 5º DO ART. 1.003 DA LEI N. 13.105/2015 (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). MANIFESTAÇÃO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DECISÃO JUDICIAL OBJURGADA. PRECEDENTES. 1. Recurso de agravo interno conhecido, e, no mérito, não provido.” (TJPR – 17ª Câmara Cível – 0075777-67.2023.8.16.0000 – Cambé –  Rel.: DESEMBARGADOR MARIO LUIZ RAMIDOFF –  J. 21.11.2023).

No mesmo sentido, colhe-se o seguinte julgado advindo do e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – TERMO A QUO DO PRAZO RECURSAL – CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DECISÃO AGRAVADA – INTIMAÇÃO – DESNECESSIDADE – RECURSO NÃO CONHECIDO. Segundo a teoria da ciência inequívoca, em observância do princípio da instrumentalidade das formas, considera-se comunicado o ato processual, independentemente da sua publicação, quando a parte ou seu representante tenha, por outro meio, tomado conhecimento do processado no feito.” (TJ-SP – AI: 20724755620198260000 SP 2072475-56.2019.8.26.0000, Relator: Renato Sartorelli, Data de Julgamento: 20/05/2019, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/05/2019).

Em arremate, o e. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também inclina-se no sentido de reconhecer a ciência inequívoca como termo inicial para a contagem de prazos de natureza preclusiva:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. CIÊNCIA INEQUÍVOCA DO TEOR DA INICIAL ANTERIORMENTE A JUNTADA DO AR DE CITAÇÃO. PROCURADOR CONSTITUÍDO PELA PARTE RÉ. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO AO FEITO. REVELIA. Evidenciado que a ré teve ciência inequívoca do teor da petição inicial anteriormente a juntada do AR de citação, pois peticionou nos autos e anexou procuração, deve ser contado a partir daí o prazo para a contestação. Revelia decretada, pois ultrapassado o prazo de quinze dias para a apresentação da contestação, contados do comparecimento espontâneo ao feito. Precedentes do STJ e desta Corte. AGRAVO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. UNÂNIME.” (TJ-RS – AI: 70064148620 RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Data de Julgamento: 01/04/2015, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: 09/04/2015).

Em conclusão, portanto, é lúcido destacar que a teoria da ciência inequívoca, no ordenamento jurídico pátrio, apresenta-se como um robusto corolário do princípio da instrumentalidade das formas e, sobremaneira, com relação aos atos de intimação, se presta não apenas como elemento capaz de suprir a estreita formalidade do ato, por intermédio da publicação da intimação, mas, também como termo inicial de prazos de natureza preclusiva, como, em exemplo, para a interposição de recursos e apresentação de contestação.